Escaras:
um pesadelo no cotidiano das pessoas com deficiência motora
“Escaras:
um pesadelo no cotidiano das pessoas com deficiência motora” do
doutor em enfermagem Wiliam César Alves Machado*.
Nesse
estudo, Dr. Machado explica o que são escaras, medidas de prevenção
e curativos.
Considerações
iniciais
A
ESCARA ou ÚLCERA DE DECÚBITOS decorre da compressão e a
consequente falta de oxigenação e nutrição dos tecidos (pele,
mucosas e tecidos subjacentes), quando uma pessoa com diminuição da
mobilidade permanece na mesma posição por longos períodos, como os
portadores de lesões neurológicas, por exemplo.
É importante que se
considere o oxigênio e nutrientes transportados pela corrente
sanguínea, como elementos imprescindíveis para a preservação da
integridade cutânea e dos tecidos subjacentes, sem os quais a
incidência de escaras torna-se risco potencialmente maior,
particularmente quando comprimida área corporal próxima de
proeminências ósseas.
Frequentemente,
por falta de observação e/ou o cuidado de se oferecer ajuda para
mudar de posição ou, ainda nos casos de perdas significativas do
nível de consciência (confusão mental, agitação psicomotora,
etc), a imobilidade aumenta os riscos de se desenvolver processo de
necrose do tipo escaras.
Dentre
os vários fatores de risco para o desenvolvimento de escaras de
decúbito, poderíamos destacar a limitação dos movimentos ativos,
estados nutricionais debilitados, nível de consciência
comprometido, perda da sensibilidade tátil e/ou térmica, estresse,
etc., além da falta de atenção e cuidado daqueles encarregados de
ajudar a pessoa nas mudanças de decúbitos, seja no âmbito do
atendimento institucionalizado (hospitalar), seja em nível
domiciliário.
Os
primeiros sinais aparecem na forma de áreas hiperemiadas
(avermelhadas), localizadas próximas de grandes proeminências
ósseas, como na região sacro-coccígea (final da coluna – muito
freqüente), calcâneos, joelhos, escápulas, nádegas, lateral da
coxa, dentre outras.
Por
isso, recomenda-se friccionar bem as regiões avermelhadas com creme
hidratante e/ou anti-séptico até que a coloração da pele retome o
aspecto normal, visando estimular a circulação de sangue e,
consequentemente, a oxigenação e nutrição da área.
O
quadro de compressão das áreas corporais é altamente dolorido para
as pessoas que preservaram a sensibilidade (frequentemente
portadores de lesão cerebral), o que para aqueles que perderam a
sensibilidade tátil e térmica (portadores de lesão
medular) pode representar maior risco de o processo progredir e
culminar com a formação de feridas (escaras), em decorrência de se
permanecer numa posição por longo período sem perceber que a área
de atrito está sendo altamente comprometida.
Por
isso, recomenda-se aos paraplégicos
e
demais usuários de cadeira de rodas o movimento de elevação do
acento da cadeira de 4 em 4 horas, por cerca de 3 minutos, visando a
revascularização da área comprimida.
No
que tange à falta de força muscular e à limitação de movimento
dos tetraplégicos, ajuda se faz necessária para que as áreas de
atrito com o assento da cadeira sejam revascularizadas, em período
de 4 em 4 horas, em média.
Por
outro lado, aqueles que preservaram a sensibilidade, ainda que
estejam impossibilitados de se expressar verbalmente, anseiam que
alguém tome a iniciativa de aliviar seu sofrimento calado.
Na
fase aguda, ou seja, os primeiros 14 dias pós-acidente, lembro muito
bem o quanto me sentia angustiado em não poder me comunicar
verbalmente com meus prestadores de cuidados e pedir que me trocassem
de posição no leito, enquanto todo meu corpo mais parecia pesar
algumas toneladas com a sensação de que as costas, calcâneos e a
bunda estivessem em chamas.
Da
mesma forma, nos longos e sofridos primeiros 90 dias, já internado
numa instituição especializada em reabilitação, quando ainda era
tetraplégico e dependia da boa vontade e rara disposição de algum
membro da equipe de enfermagem em se prontificar a aliviar o
desconforto causado pela excessiva ardência nas nádegas e dorso das
coxas (Machado 1999).
Exato
por isso, todo cuidado é pouco, visto que a isquemia tecidual
(ausência de sangue localizada ou uma grande redução de fluxo
sanguíneo) progride muito rapidamente para um aspecto cianosado
(roxo) e a formação de bolha que se rompe facilmente.
Enfim,
uma escara pode aparecer em poucos dias, mas para cicatrizar leva
muitos e muitos outros, além de muito sofrimento.
Felizmente,
não foi o que aconteceu comigo, dado que meus prestadores de
cuidados, na fase aguda de minha lesão cerebral, estiveram atentos
às sistemáticas mudanças de decúbitos de 2 em 2 horas, enquanto
estive internado num hospital geral.
Atendimento
que se estendeu na fase de reabilitação, embora com menor
frequência, dada força da política e filosofia institucional.
Por
outro lado, pude acompanhar de perto a evolução assustadora e os
danos que uma escara pode trazer para os
paraplégicos
com lesão medular que compartilhavam comigo o mesmo espaço na
enfermaria.
Como
eles haviam perdido a sensibilidade tátil e térmica, eram poupados
da dor física, embora alegassem um tipo de dor algo subjetiva, que
transcende a realidade tangível – a dor de não sentir o próprio
corpo (Machado 2000).
Medidas
e Prevenção
Machado
ressalta que as pessoas de pele escura e/ou negra devem atentar para
as seguintes características da pele:
a)
parece mais escura do que a pele ao redor (arroxeada/tom azulado);
b)
pode estar esticada, brilhante ou endurecida e o edema (inchação)
pode ocorrer com intensidade de mais de 15 mm de diâmetro;
c)
pode apresentar um tom arroxeado/azulado;
d)
quando tocada pela primeira vez, a pele apresenta-se morna, se
comparada com a pele ao redor, sendo que mais tarde ela tende a se
tornar uma área fria – caracterizando sinal de desvitalização do
tecido.
No
que diz respeito aos portadores de lesões medulares a atenção deve
ser redobrada, independentemente da cor da pele pois, como perdem a
sensibilidade tátil e térmica, ficam notadamente mais vulneráveis
aos processos de escarificações de pele e mucosas por permanecer
longos períodos na mesma posição, sem que o corpo dê algum sinal
objetivo de desconforto.
Entretanto,
faz-se necessário esclarecer que nos casos de lesão medular a
limitação de movimentos está na dependência da área ou vértebra
lesionada de paraplégicos ou tetraplégicos.
Para
os paraplégicos, na fase aguda da lesão, é importante chamar a
atenção para o risco de contrair escaras, primeiramente ajudando
nas mudanças de decúbitos e/ou orientando para que eles assumam
medidas preventivas de longo prazo, tão logo obtenham equilíbrio de
tronco e força muscular para desempenhar sozinhos tais funções. Já
para os tetraplégicos as medidas preventivas devem receber mais
destaque, devido, muitas vezes, à total incapacidade de exercer
qualquer força muscular e coordenação/controle de movimentos
voluntários, o que requer do prestador de cuidados atenção
redobrada na prevenção de escaras com sistemática implementação
de mudanças de decúbitos na fase aguda, além de orientar para o
autocuidado após alta institucional e acompanhar os progressos
funcionais em nível domiciliário.
(Assista
o vídeo sobre os cuidados para evitar as escaras).
Os
parâmetros usados para avaliar os possíveis riscos de se adquirir
escaras são: condição física (boa, média, ruim e muito ruim),
estado mental (alerta, apático, confuso, estupor e inconsciente),
continência (totalmente controlado, geralmente controlado, mínimo
controle e ausência de controle) atividade (ambulante, anda com
ajuda, sentado na cadeira e acamado), mobilidade (plena, ligeiramente
limitada, muito limitada e imóvel) e estado nutricional (bom, médio
e pobre).
Vale
a pena acrescentar os seguintes aspectos relativos à pele: cor
(pálida, rosada, acinzentada, avermelhada, cianótica, ictérica e
outras), umidade (úmida, seca, oleosa e outras), temperatura (fria,
fresca, morna e quente), textura (lisa, áspera, fina/transparente,
escamosa, com crostas e outras).
Medidas
de prevenção: retrato de uma experiência concreta
Investigando
a importância do toque como instrumento eficaz na prevenção de
escaras FIGUEIREDO, MACHADO e PORTO (1996) observaram que – no
decorrer de 150 dias de cuidados de enfermagem em reabilitação para
um cliente (inicialmente tetraplégico que evoluiu para paraplégico)
-embora a pessoa permanecesse sentada cerca de 10 horas na cadeira de
rodas, alternadas com transferências para o tatame no setor de
hemiplegia e terapia ocupacional; ficasse na cadeira higiênica por
cerca de 1 hora diária (30 minutos para evacuar e 30 para seu banho)
e tivesse mobilidade reduzida para as mudanças de decúbitos no
leito durante a noite; ainda assim seu corpo não desenvolveu
processo de escara.
Tudo
resultou da implementação de um sistemático esquema de cuidados
nos 90 minutos diários de visita, quando passaram a seguir um ritual
de CUIDAR que envolvia toda a dimensão e condição humana dos
sujeitos envolvidos a saber: massagear a região glútea, face
posterior das coxas, pés e artelhos; escovar os dentes; limpar cada
narina; colocar patinho; retirar e despejar o patinho; colocar
descongestionante nasal (uma enfermaria insalubre de 6 leitos do
SUS); colocar colírio; limpar o rosto com creme; limpar a região
pubiana; ajustar almofada de alpiste na região sacra, etc.
É
importante acrescentar que a massagem com creme
anti-séptico/hidratante, nos 150 dias, consumiu nada menos de 15
litros do produto somados a muito empenho e energia de bem-querer dos
prestadores de cuidados.
Não
fosse isso, por certo, ele teria adquirido alguma escara.
Comentário:
O
titulo deste artigo sobre escaras ou ulceras de decúbito é bem
sugestivo; realmente elas são um verdadeiro pesadelo para nós
tetraplégicos, de difícil cicatrização, num processo longo e
gradativo de cura, além do incomodo ao sentar na cadeira de
rodas.
Falo
isso porque após o meu acidente que me deixou tetraplégico adquiri
no hospital escaras na região sacra, glútea, na panturrilha e no
calcâneo com as quais luto há muito tempo na sua cicatrização.
Devido
a sua localização elas me limitam a ficar mais deitado que sentado,
necessito da utilização de almofada quadrada d'água na cadeira de
rodas para sentar assim não faço pressão sobre as escaras da
região sacra e glútea, além de aliviar as dores.
Falei
que é de difícil cicatrização porque quando fico deitado elas dão
uma melhora impressionante mas ao sentar começa reabrir novamente;
já tentei até cirurgia plástica fazendo enxerto de pele, mas não
funcionou foi eu sentar na cadeira de rodas para que estas reabrissem
novamente.
É
uma luta difícil, mas parece que com os curativos que estou utilizando
atualmente vou conseguir fazer com que elas cicatrizem; venho com
esse processo já a alguns meses e com acompanhamento médico e da
enfermagem e já vejo uma luz no fim do túnel.
Outra
dificuldade que eu encontro e acho que também outras pessoas na
mesma situação que a minha é o auto custo dos medicamentos que
realmente promovem a cicatrização das escaras; porque nem todas
pessoas tem condições financeiras para adquiri-los infelizmente.
Por
outro lado tais medicamentos não constam na relação da rede
pública de saúde, com isso aqueles que tem uma condição
financeira precária fica a mercê da sorte infelizmente, sem uma
assistência adequada.
No
meu ponto de vista as autoridades deveriam analisar e criar programas
incentivando preços mais acessíveis a esses medicamentos e a
distribuição pelo SUS desses medicamentos.
Espero
que este artigo possa ser produtivos para as pessoas que o lerem,
fico feliz em poder compartilhar com vocês meus amigos.
Um
abraço a todos.
Sim, as escaras ou úlceras de pressão é um tormento em nossas vidas, sou cadeirante e a anos luto com minhas escaras para que estas se cicatrizem e eu me vejo livre desse tormento, mas não é tão fácil assim dependendo da região a gente é obrigado a ficar de repouso para sua cicatrização, mas acontece que quando esta de repouso elas melhoram e até cicatrizam, só que quando vai sentar na cadeira de rodas com o tempo elas voltam a abrir-se novamente, sendo uma luta constante; só quem tem sabe do que estou falando.
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