O
que é inclusão?
Incluir
do Lat. includere, verbo transitivo direto, compreender, abranger;
conter em si, envolver, implicar; inserir, intercalar, introduzir,
fazer parte, figurar entre outros; pertencer juntamente com outros.
No bom e velho Aurélio, o verbo incluir apresenta vários
significados, todos eles com o sentido de algo ou alguém inserido
entre outras coisas ou pessoas. Em nenhum momento, essa definição
pressupõe que o ser incluído precisa ser igual ou semelhante aos
demais aos quais se agregou.
Quando
falamos de uma sociedade inclusiva, pensamos naquela que valoriza a
diversidade humana e fortalece a aceitação das diferenças
individuais. É dentro dela que aprendemos a conviver, contribuir e
construir juntos um mundo de oportunidades reais (não
obrigatoriamente iguais) para todos. Isso implica numa sociedade onde
cada um é responsável pela qualidade de vida do outro, mesmo quando
esse outro seja muito diferente de nós.
Inclusão
ou integração?
Semanticamente,
incluir e integrar têm significados muito parecidos, o que faz com
que muitas pessoas utilizem esses verbos indistintamente. No entanto,
nos movimentos sociais inclusão e integração representam
filosofias totalmente diferentes, ainda que tenham objetivos
aparentemente iguais, ou seja, a inserção de pessoas com
deficiência na sociedade. Os mal-entendidos sobre o tema começam
justamente aí. As pessoas usam o termo inclusão quando, na verdade,
estão pensando em integração.
Quais
são as principais diferenças entre inclusão e integração?
O
conteúdo das definições do quadro abaixo é de autoria de Claudia
Werneck, extraído do primeiro volume do Manual do Mídia Legal:
Aviso
somente acessível a leitores de tela. Para navegar em tabelas com o
Jaws ou com o NVDA a partir do 2012 2, use as teclas CONTROL mais Alt
mais seta para a direita ou esquerda, para cima ou para baixo, para
se ler o cabeçalho de coluna a que pertence a célula lida.
No
caso da tabela abaixo, existem somente duas colunas no cabeçalho:
Inclusão na coluna 1 e Integração na coluna 2.
Assim,
sempre que passar de uma coluna para outra, com as teclas precionadas
você poderá saber a qual coluna pertence aquela célula. O Jaws é
mais claro nessa acessibilidade.
Inclusão
/ integração.
|
Integração
|
a
inserção é total e incondicional (crianças com deficiência
não precisam "se preparar" para ir à escola regular).
|
a
inserção é parcial e condicional (crianças "se preparam"
em escolas ou classes especiais para estar em escolas ou classes
regulares).
|
exige
rupturas nos sistemas
|
pede
concessões aos sistemas.
|
mudanças
que beneficiam toda e qualquer pessoa (não se sabe quem "ganha"
mais; TODAS ganham).
|
mudanças
visando prioritariamente a pessoas com deficiência (consolida a
ideia de que elas "ganham" mais)
|
exige
transformações profundas
|
contenta-se
com transformações superficiais
|
sociedade
se adapta para atender às necessidades das pessoas com
deficiência e, com isso, se torna mais atenta às necessidades
de TODOS
|
pessoas
com deficiência se adaptam às necessidades dos modelos que já
existem na sociedade, que faz apenas ajustes
|
defende
o direito de TODAS as pessoas, com e sem deficiência
|
defende
o direito de pessoas com deficiência
|
traz
para dentro dos sistemas os grupos de "excluídos" e,
paralelamente, transforma esses sistemas para que se tornem de
qualidade para TODOS
|
insere
nos sistemas os grupos de "excluídos que provarem estar
aptos" (sob este aspecto, as cotas podem ser questionadas
como promotoras da inclusão)
|
o
adjetivo inclusivo é usado quando se busca qualidade para TODAS
as pessoas com e sem deficiência (escola inclusiva, trabalho
inclusivo, lazer inclusivo, etc.).
|
o
adjetivo integrador é usado quando se busca qualidade nas
estruturas que atendem apenas as pessoas com deficiência
consideradas aptas (escola integradora, empresa integradora,
etc.).
|
valoriza
a individualidade de pessoas com deficiência (pessoas com
deficiência podem ou não ser bons funcionários; podem ou não
ser carinhosos, etc.)
|
como
reflexo de um pensamento integrador, podemos citar a tendência a
tratar pessoas com deficiência como um bloco homogêneo
(exemplos: surdos se concentram melhor; cegos são excelentes
massagistas)
|
não
quer disfarçar as limitações, porque elas são reais
|
tende a
disfarçar as limitações para aumentar a possibilidade de
inserção
|
não se
caracteriza apenas pela presença de pessoas com e sem
deficiência em um mesmo ambiente
|
a
presença de pessoas com e sem deficiência no mesmo ambiente
tende a ser suficiente para o uso do adjetivo integrador
|
A
Escola e a Inclusão.
Os
objetivos tradicionais na educação de pessoas com necessidades
educativas específicas ainda se orientam por conseguir alcançar
comportamentos sociais controlados, quando deveriam ter como objetivo
que essas pessoas adquirissem cultura suficiente para que pudessem
conduzir sua própria vida. Ainda vivemos em um modelo assistencial e
dependente, quando a meta da inclusão é o modelo competencial e
autônomo.
O
pensamento pedagógico dos profissionais é que as crianças com
necessidades educativas específicas são os únicos responsáveis
(culpados) por seus problemas de aprendizagem (às vezes, esse
sentimento se estende aos pais), mas raras vezes questionam o sistema
escolar e a sociedade...
O
fracasso na aprendizagem deve-se às próprias crianças com
deficiência e não ao sistema, pensa-se que são eles e não a
escola quem tem que mudar.
É
um modelo baseado no déficit, que destaca mais o que a criança não
sabe fazer do que aquilo que ela pode realmente fazer. Assim, esse
modelo se centra na necessidade do especialista, e se busca um modo
terapêutico de intervir, como se a resolução dos problemas da
diversidade estivesse sujeita à formação de especialistas que se
fazem profissionais da deficiência.
Essa
escola seletiva valoriza mais a capacidade dos que os processos; os
agrupamentos homogêneos do que os heterogêneos; a competitividade
do que a cooperação; o individualismo do que a aprendizagem
solidária; os modelos fechados, rígidos e inflexíveis do que os
projetos educativos abertos, compreensivos e transformadores;
apoia-se em desenvolver habilidades e destrezas e não conteúdos
culturais e vivenciais como instrumentos para adquirir e desenvolver
estratégias que lhes permitam resolver os problemas da vida
cotidiana.
Essa
postura é um problema ideológico, porque o que se esconde atrás
dessa atitude é a não-aceitação da diversidade como valor humano
e a perpetuação das diferenças entre os alunos, ressaltando que
essas diferenças são insuperáveis. A escola inclusiva é aquela
onde o modelo educativo subverte essa lógica e pretende, em primeiro
lugar, estabelecer ligações cognitivas entre os alunos e o
currículo, para que adquiram e desenvolvam estratégias que lhes
permitam resolver problemas da vida cotidiana e que lhes preparem
para aproveitar as oportunidades que a vida lhes ofereça. Às vezes,
essas oportunidades lhes serão dadas, mas, na maioria das vezes,
terão que ser construídas e, nessa construção, as pessoas com
deficiência têm que participar ativamente.
Essa
incompreensão da cultura da diversidade implica em que os
profissionais pensem que os processos de integração estavam
destinados a melhorar a educação especial e não a educação em
geral. Encontramo-nos em um momento de crise, porque os velhos
parâmetros estão agonizando e os novos ainda não terminaram de
emergir.
Penso
que a cultura da diversidade está colocando contra a parede o fim de
uma época (o ocaso da modernidade?) educativa.
A
cultura da diversidade vai nos permitir construir uma escola de
qualidade, uma didática de qualidade e profissionais de qualidade.
Todos teremos de aprender a ensinar a aprender. A cultura da
diversidade é um processo de aprendizagem permanente, onde TODOS
devemos aprender a compartilhar novos significados e novos
comportamentos de relações entre as pessoas. Ela é uma nova
maneira de educar que parte do respeito à diversidade como valor.
O
Primeiro Passo para Incluir.
Toda
criança tem direito à escola. Entretanto, na hora de matricular um
filho com deficiência em uma escola regular, o que muitos pais
escutam é: Desculpe, mas não estamos preparados para receber o seu
filho. Mas o que, exatamente, significa esse preparo?
A
frase acima está baseada em uma conceituação ultrapassada: a da
reabilitação ou integração, segundo a qual caberia à pessoa com
deficiência preparar-se para ingressar na sociedade. Esse conceito,
surgido após a Segunda Guerra Mundial e que perdura até os dias de
hoje, deu origem às escolas e classes especiais. Mas foi posto em
discussão no início dos anos 90. Nosso paradigma é outro: é a
inclusão, ou seja, é a sociedade que deve se preparar para receber
qualquer pessoa.
Questão
de Atitude.
Cabe
à escola compreender que todos os alunos têm ritmos de aprendizado
diferentes. E o professor precisa criar estratégias pedagógicas
para que cada um consiga aprender o que ele quer ensinar. A escola
tem que ser de qualidade para todos os alunos, sem distinção. No
fundo, o primeiro passo para a inclusão é uma questão de atitude:
quero ou não quero receber alunos com deficiência? Mais que isso,
reconheço nessa pessoa com deficiência um ser humano ou a encaro
como um subnormal?
Essa
mudança de atitude não acontece de uma hora para outra. É um
processo e, como tal, cheio de dificuldades. Mas essas podem ser
superadas em conjunto pelo corpo diretivo da escola, professores e
pais. Inclusive quanto à avaliação sobre se é necessário algum
preparo específico dos educadores e qual seria, em cada caso, essa
especialização.
A
inclusão de alunos com deficiência em salas regulares não minimiza
os cuidados que a criança deve ter de acordo com a sua deficiência.
Mas a função principal da escola não é terapêutica, é
educacional. Outro aspecto importante é perceber que crianças com a
mesma deficiência não são iguais entre si. E o professor,
portanto, não pode querer seguir receitas prontas.
O
Papel dos Pais.
Por
fim, a inclusão implica em quebrar, muitas vezes, a resistência
apresentada pelas próprias famílias: a criança tem que estar
incluída também em casa. Se os pais acham que seu filho é um
coitadinho, especial ou um anjo, ele sempre será excluído na
sociedade.
Quem
ganha com isso?
A
proposta da Educação Inclusiva beneficia todos os envolvidos:
As
pessoas com deficiência têm a acesso à Educação formal e à
perspectiva de uma vida autônoma.
Os
demais alunos aprendem que a sociedade é repleta de diversidade e
conseguem, assim, adquirir valores de vida melhores.
O
educador, pois a presença de uma criança com deficiência na sala
de aula faz com que o professor perceba que tem trinta alunos que
são diferentes entre si, e não um que é diferente dos outros. Com
isso, exercita sua capacidade pedagógica e se torna um professor
melhor.
Mas,
quem é que pode aprender?
Bem
antes de Melero, um educador, psicólogo e ativista americano negro
chamado Kenneth Bancroft Clark já declarava que "crianças que
são tratadas como ineducáveis, quase que invariavelmente, tornam-se
ineducáveis".
Na
época, ele se referia aos negros americanos marginalizados,
colocados em classe especiais (sim, porque afinal, eles eram outra
raça, com necessidades específicas, padrões de aprendizagem
próprios...) e, a priori, definidos como pessoas que não eram
educáveis... Não tinham a mesma capacidade dos brancos, eram mais
intuitivos que racionais e, pior, estavam num estágio inferior de
civilização.
Ah,
também os negros eram considerados pessoas que só podiam aprender
trabalhos manuais e tarefas repetitivas. E diziam que eles não
tinham capacidade de abstração... Claro que, como não eram
educados, continuavam sem educação. Sem educação, não tinham
trabalho. Sem trabalho não tinham sequer perspectiva de vida... E
continuavam marginalizados.
Clark
foi o primeiro professor negro do City College em Nova York; depois,
acabou sendo convidado também para dar aulas em Columbia, Harvard e
Berkeley. Nos seus estudos, Clark concluiu que a segregação
provocava danos psicológicos às pessoas e seus estudos levaram à
decisão da Suprema Corte Americana que baniu a educação segregada.
Quando
eu falo a respeito dos negros, as pessoas certamente concordam comigo
que essa situação não era provocada pela cor da pele, mas pela
sociedade que os cercava. Poderia falar das mulheres (que foram
segregadas antes, e ainda o são em alguns países) e também todos
concordariam que o problema é da sociedade e da cultura.
Por
que, quando falamos que "o ser deficiente" tem um
componente social e cultural que provoca essa situação em relação
à educação (ou seja, a tal da especialização), ficamos tão
resistentes a essa afirmação? Ah, porque a pessoa com deficiência
tem um componente biológico específico... Ué (ou uai, como diriam
os mineiros), mas as mulheres também têm componentes biológicos
diferentes dos homens? Vamos separar de novo a educação em classes
por gênero?? Ah, porque a pessoa com deficiência tem um laudo
médico... (já ouvi tanto isso de professores). Se o problema for de
laudo médico, também podemos fornecer a respeito dos negros (tem
melanina em excesso em relação aos índices dos brancos).
O
nosso modelo pseudo-educativo, que defende essa escola especial é
meramente assistencial e caritativo. É um modelo que define a
deficiência das pessoas como única causa dos seus problemas de
aprendizagem, tudo isso apoiado médica e psicologicamente. Esse
mesmo modelo nunca busca uma possível causa na sociedade e na
cultura. O modelo de intervenção (sim, porque é uma intervenção
e não uma estratégia pedagógica) é individualizado e o currículo
definido pelo déficit, ressaltando as incapacidades e não nas
possibilidades dos alunos.
E
é por isso que eu também defendo que esse é um problema
ideológico, mais do que um problema pedagógico, pois está focado
na homogeneidade e não na diversidade. Na defesa de uma estrutura
sócio-cultural que não pode ser mudada (status quo). Mudança
implicaria em desestruturar os modelos de ensino e avaliação de
séculos (até porque, a escola foi uma das coisas que menos evoluiu
estruturalmente na nossa história).
Ideológico
porque combate o modelo assistencialista (que é, fundamentalmente,
um modelo baseado na crença de que fazer bem ao próximo significa
tratá-lo como um coitadinho que merece nossa pena). Ou confiamos que
as nossas crianças (e qualquer criança) sejam capazes de aprender
ou vamos educá-los para serem adultos inúteis, marginalizados e
dependentes (dos pais, do paizão governo ou de entidades que os
acolham).
Todos
vão aprender matemática?
Duvido.
Eu, até hoje, não consegui entender um monte de coisas que me
ensinaram (não sei para que serve saber o que é um dígrafo ou uma
oração coordenada assindética)... E duvido que qualquer pessoa
seja capaz de se declarar conhecedor de todas as ciências, artes e
ofícios... Matemática suficiente para a autonomia para todos (seja
com calculadora, computador ou sorobã). Algoritmos para alguns.
Português, ciências, literatura, história... Para todos...
E
que cada um vá adiante naquilo que gostar mais, mas que a nenhum
seja sonegada a oportunidade de conhecer tudo e de todas as formas.